quarta-feira, 3 de junho de 2015

O TEMPO CONTA?

Ele lembra bem, guarda tudo na memória como se fosse uma grande biblioteca. Foram anos de muitos acontecimentos que marcariam uma geração.

Caiu o Muro de Berlim, após 29 anos houve eleições diretas no Brasil, o barco Bateau Mouche naufragou no réveillon carioca, a novela Que Rei Sou Eu, uma sátira política e social, alcançou altos índices de audiência, o mundo conheceu a “Fogueteira do Maracanã” durante a partida Brasil e Chile nas eliminatórias da Copa...

No ano seguinte o Iraque invadiu o Kuait, a Rede Manchete lançou a novela Pantanal trazendo mudanças para a dramaturgia brasileira, o futebol dos Camarões encantou o mundo e aos 32 anos o “exagerado” Cazuza perdeu a batalha para a Aids.

Depois veio a queda da União Soviética, a Guerra do Golfo, a declaração do então presidente Collor sobre “ter aquilo roxo”. A música sertaneja eclodiu no país, a novela Carrossel e a professorinha Helena caíram na graça dos brasileiros, Maradona foi flagrado no exame antidoping, Senna conquistou o tricampeonato mundial...

A cada lembrança vinda à tona ele refletia. Essas coisas das quais não se tem controle, ou se tem, mas não se cuida, moldam uma vida. Transformam pessoas, para o bem ou para o mal, mudam o rumo da história.

Ele sempre teve plena consciência disso e por isso nunca ousou desperdiçar-se, perder-se, sabia que não havia volta.

De vez em quando sai do macro e se volta para o microuniverso, àquele das pessoas comuns que vivem vidas ordinárias. Ele faz parte da vida de todas elas, às vezes de forma muito intensa, chegando a causar ansiedade, por vezes depressão. Outras vezes é tão discreto que ninguém se dá conta dele e vive quase como se ele não existisse.

Tantas outras, as pessoas vivem como se ele não passasse por elas. Mas ele sempre passa. E deixa marcas, no corpo e também na alma.

Dia desses, numa festa, ele espreitava, quase despercebido, as conversas de cada uma das pessoas presentes. Incrível como a maioria delas tratava de lembranças de um passado em comum.

Era o encontro de uma turma de colégio. Foram colegas numa das melhores fases da vida, a adolescência. Aquela do fervor das descobertas, das desobediências, das experimentações, das expectativas e também das frustrações. A fase dos sonhos, da certeza de poder tudo, de que aquela jovialidade seria eterna e que passar no vestibular era o grande presente da vida. Doces enganos e acertos que constroem grandes histórias.

É certo que grandes grupos acabam por formar pequenos grupos. E estes pequenos tendem a seguir em mais afinidade estando juntos por várias fases e por isso os reencontros tendem a falar de presente, quiçá de futuro. Já os grandes, esses tem em elo o passado, e nele se apegam se reconhecem e maravilhosamente se redescobrem.

Ele observava cada fala, cada lembrança e via como aquele passado em que nem todos estavam juntos, agora, no presente, fazia surgir afinidades antes inexistentes, eram novos velhos amigos.

E entre abobrinhas juvenis de quarentões, risadas bobas e várias selfies para nunca esquecerem seus próprios sorrisos naqueles encontros, alguns se deram conta da presença dele.

Ele riu.

“Nossa, parece que o tempo não passou”.

É verdade, ele não passou, ele estava ali, presente e seguiria com eles pra sempre. E é assim mesmo, quando a gente se preocupa mais em viver do que com o tempo que se vive, ninguém se dá conta nem de idade, nem de tudo que vem com ela, e vive uma eterna adolescência, mesmo que um tanto mais madura.


Ele riu mais uma vez e ficou feliz por não se preocuparem tanto com ele. Afinal, ele nem conta tanto assim. Ou conta?

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