"ninguém é suficientemente
perfeito, que não possa aprender com o outro e, ninguém é totalmente destituído
de valores que não possa ensinar algo ao seu irmão. ( são francisco de assis)"
aos dois anos cometi um crime que só me foi revelado aos
quase 30, meio sem querer. todos sabiam menos eu. e todos fizeram segredo para
me proteger do meu próprio ato.
sultão e brigite era um casal de vira-latas que tinha lá em
casa. ele preto, ela laranja. eu gostava deles, apesar do medo de me morderem.
um dia nós fomos embora e sem poder levá-los me perdi deles pra sempre, mas
aprendi que a vida também se faz com despedidas.
eu tinha um galo de campina, um passarinho lindo com as
cores do time do meu avô e da minha mãe e o nome da minha cidade natal. sem
querer me separar dele, levei no avião, escondido e protegido por um papel de
presente. eu tinha 5 anos. ele ficou doente e eu sofri. minha mãe precisou usar
da terapia de choque pra que eu engolisse o choro. ele ficou bom, arrumou novos
amigos e fugiu. sofri, mas entendi que a liberdade é direito de todos.
tico e teco eram dois coelhinhos lindos e fofos que eu
adorava brincar e por no colo. um dia não resistiram à liberdade anunciada em
mata aberta e se foram. sofri, mas aprendi que por melhor que tratem a gente, a
nossa casa é sempre o melhor lugar pra se estar.
aí vieram os peixinhos que brincavam com a minha sereia de
plástico. a gente viajou e na ânsia de não deixá-los passar fome, demos comida
demais e eles morreram. sofri, mas aprendi que exageros não são bons e a que a
busca deve ser sempre pelo equilíbrio. eu tinha 7 anos.
outros vieram e se foram. os meus, de amigos, vizinhos...e
sempre que eles iam eu sofria. foi quando decidi que não queria mais bichinhos
de estimação, não queria mais o apego, nem a dor das partidas que aconteceriam
de um jeito ou de outro.
e foi por isso que me esconderam o crime que cometi.
aos dois anos, na intenção de dar banho no meu pintinho
amarelinho, o afoguei no tanque. minha mãe foi testemunha e me disse que ele
estava dormindo. acreditei e esqueci. anos depois na revelação me senti cruel,
mesmo sendo inocente.
e aí aprendi que a gente machuca mesmo sem
querer, e sem querer podem nos machucar. então aprendi a não julgar sem antes
perguntar e, sobretudo, ouvir. e aprendi a perdoar. e aprendi que a gente
não deve ter medo de se apegar, se isso implica em viver.