Ele lembra bem, guarda tudo na memória como se fosse uma
grande biblioteca. Foram anos de muitos acontecimentos que marcariam uma
geração.
Caiu o Muro de Berlim, após 29 anos houve eleições diretas
no Brasil, o barco Bateau Mouche naufragou no réveillon carioca, a novela Que
Rei Sou Eu, uma sátira política e social, alcançou altos índices de audiência,
o mundo conheceu a “Fogueteira do Maracanã” durante a partida Brasil e Chile
nas eliminatórias da Copa...
No ano seguinte o Iraque invadiu o Kuait, a Rede Manchete
lançou a novela Pantanal trazendo mudanças para a dramaturgia brasileira, o
futebol dos Camarões encantou o mundo e aos 32 anos o “exagerado” Cazuza perdeu
a batalha para a Aids.
Depois veio a queda da União Soviética, a Guerra do Golfo, a
declaração do então presidente Collor sobre “ter aquilo roxo”. A música
sertaneja eclodiu no país, a novela Carrossel e a professorinha Helena caíram
na graça dos brasileiros, Maradona foi flagrado no exame antidoping, Senna
conquistou o tricampeonato mundial...
A cada lembrança vinda à tona ele refletia. Essas coisas das
quais não se tem controle, ou se tem, mas não se cuida, moldam uma vida.
Transformam pessoas, para o bem ou para o mal, mudam o rumo da história.
Ele sempre teve plena consciência disso e por isso nunca
ousou desperdiçar-se, perder-se, sabia que não havia volta.
De vez em quando sai do macro e se volta para o
microuniverso, àquele das pessoas comuns que vivem vidas ordinárias. Ele faz
parte da vida de todas elas, às vezes de forma muito intensa, chegando a causar
ansiedade, por vezes depressão. Outras vezes é tão discreto que ninguém se dá
conta dele e vive quase como se ele não existisse.
Tantas outras, as pessoas vivem como se ele não passasse por
elas. Mas ele sempre passa. E deixa marcas, no corpo e também na alma.
Dia desses, numa festa, ele espreitava, quase despercebido,
as conversas de cada uma das pessoas presentes. Incrível como a maioria delas
tratava de lembranças de um passado em comum.
Era o encontro de uma turma de colégio. Foram colegas numa
das melhores fases da vida, a adolescência. Aquela do fervor das descobertas,
das desobediências, das experimentações, das expectativas e também das
frustrações. A fase dos sonhos, da certeza de poder tudo, de que aquela
jovialidade seria eterna e que passar no vestibular era o grande presente da
vida. Doces enganos e acertos que constroem grandes histórias.
É certo que grandes grupos acabam por formar pequenos
grupos. E estes pequenos tendem a seguir em mais afinidade estando juntos por
várias fases e por isso os reencontros tendem a falar de presente, quiçá de
futuro. Já os grandes, esses tem em elo o passado, e nele se apegam se
reconhecem e maravilhosamente se redescobrem.
Ele observava cada fala, cada lembrança e via como aquele
passado em que nem todos estavam juntos, agora, no presente, fazia surgir
afinidades antes inexistentes, eram novos velhos amigos.
E entre abobrinhas juvenis de quarentões, risadas bobas e
várias selfies para nunca esquecerem
seus próprios sorrisos naqueles encontros, alguns se deram conta da presença
dele.
Ele riu.
“Nossa, parece que o tempo não passou”.
É verdade, ele não passou, ele estava ali, presente e
seguiria com eles pra sempre. E é assim mesmo, quando a gente se preocupa mais
em viver do que com o tempo que se vive, ninguém se dá conta nem de idade, nem
de tudo que vem com ela, e vive uma eterna adolescência, mesmo que um tanto mais
madura.
Ele riu mais uma vez e ficou feliz por não se preocuparem
tanto com ele. Afinal, ele nem conta tanto assim. Ou conta?